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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O arquitecto alemão que se apaixonou pela calçada portuguesa

Thomas, 29 anos, quis aprender a arte com os melhores calceteiros do mundo. A fama dos mestres lisboetas chegou à Escócia, onde estudava.

"Tens de tirar a fotografia é ao mestre." Quando o fotógrafo o enquadra, Thomas Riese pede para não ser protagonista numa arte que não é a sua: a de calcetar passeios. Mas fica descansado. Jorge Duarte já falou connosco. "Tu é que és o artista hoje", confirma o mestre. "Artista. Não gosto da palavra. Parece que não sabemos o que estamos a fazer", responde Thomas, enquanto se ajeita no banco e retoma a posição: pernas arqueadas e costas curvadas sobre o areão. À sua frente estão alguns metros de calçada portuguesa direitinha, o seu trabalho da manhã. Thomas, o alemão que apareceu na Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa para aprender a fazer calçada portuguesa, contrasta com o resto do grupo: o mestre Jorge, com o ar épico dos heróis comunistas, Vítor, o surdo-mudo que percebe assobios, e Rui Dias, o Cristo, alcunha ganha pelo desgrenhado das barbas e do cabelo. Thomas contrasta pelo aspecto de alemão - olhos azuis, cabelo e pele claros - e pela juventude dos seus 29 anos. Thomas é o único aluno de Jorge. A escola de Calceteiros existe há 23 anos. Desde 2007 que o mestre não tem a quem ensinar.

A poucos metros da fachada do Palácio da Independência onde o grupo refaz a entrada, está o Rossio, uma das primeiras praças a ser calcetada. Nos passeios, as ondas enchem a praça há 160 anos e as medidas de Thomas desde que é arquitecto paisagista. O gosto pela escultura trouxe-o a Lisboa, porque a fama destes calceteiros chegou à Escócia, onde estudava.

"Disseram-me que aqui se faz a melhor calçada do mundo", diz num português irrepreensível para quem chegou há um mês e meio. E não ficou desiludido. Quando não está a partir pedra, Thomas fotografa passeios, imagina composições e lê. Lê todos os livros que falem de calçada - "tens de ler o livro do Eduardo Bairrada", aconselha Thomas. O livro "Empedrado Artístico de Lisboa" é a bíblia dos calceteiros, o manual que a câmara ofereceu aos alunos da escola nos anos 80.

Aprender a fazer calçada não é um passatempo para Thomas e o mestre certifica o seu talento, enquanto aponta para a fila de quadrados de calcário enterrados no areão. "Está a ver? Eu fiz o do lado direito e ele o esquerdo. Não se nota diferença. Ele gosta disto", diz Jorge que é formador da escola desde 1998. Já lhe passaram dezenas de alunos pela mão. Jorge não diz que Thomas é um dos melhores que já ensinou até porque não é aluno. "Ele vem connosco mas pode ir embora quando quiser", diz.

Mas o trabalho do alemão impressiona-o e o seu empenho também. Thomas cumpre o mesmo horário que os calceteiros - das oito às 18 horas - e aprende a fazer calçada com a mesma rapidez com que passou a falar português. "Ele já faz sextavados [quando as faces das peças formam hexágonos regulares], que é uma das técnicas mais difíceis", assegura o mestre.

Jorge também gosta disto. "Não sou calceteiro de fazer muita calçada, não sou, nunca fui. Quando estou a trabalhar, tenho de fazer como deve ser. E tenho vaidade naquilo que faço. Gosto de investir algum tempo a ver como vou fazer o desenho." Talvez seja por isso que Jorge constrói puzzles nas horas livres. Porque para fazer calçada é preciso escolher bem as pedras, avaliar-lhes o volume e colocá-las no sítio certo. "Sabe qual é a pior coisa para um calceteiro? É ter uma pedrinha assim e calha dar- -lhe um toquezinho e ela desfaz-se." E Jorge parte pedra como quem escreve ao computador todos os dias. Já não precisa de olhar e reconhece o martelo pelo tacto.

Thomas só começou agora, mas não quer deixar fugir a experiência. Até porque no final de Agosto volta para a Alemanha. "Mas ele já andou aí a comprar pedra para levar para lá", conta Jorge. Thomas quer fazer um projecto de um jardim com as pedras que encomendou durante o fim-de-semana, quando foi visitar a pedreira em Leiria.

Depois de Thomas regressar a Colónia, o mestre ficará sem alunos. "E este ano já sabe se vão abrir a turma?" Jorge ainda não sabe de certeza, mas desconfia da resposta que o Instituto de Emprego e Formação Profissional lhe vai dar.

Aprender a partir pedra Entrar na Quinta Conde de Arcos da Câmara Municipal de Lisboa, encaixada no meio da algazarra dos Olivais, é como chegar a um novo tempo. As horas agrupam-se em dois blocos, o da manhã e o da tarde, e correm tranquilas para não importunar o ritmo ditado pela natureza. Foi nestes jardins que tudo começou para Jorge. A escola de calceteiros é aqui.

"Aqui está o 2007", diz o mestre enquanto mexe com o pé nas ervas que nascem entre as pedras da calçada. Os desenhos da última turma foram engolidos pelo jardim que rodeia o passeio de pedra. Aos poucos - depois de vigorosas catanadas -, as ervas desaparecem. Lá está o sete, os dois zeros e ainda o dois: 2007. O último ano em que o mestre Jorge teve alunos.

"Ficou alguém desta turma?"

"Esta malta deste último curso? Não tenho cá ninguém. Um, o Teixeira - que tinha um motão -, é nosso colega. Está aí à noite. É cantoneiro."

Foi o único a ficar na câmara. "Os formandos são um bocado difíceis de captar para esta arte. É dura, apesar de ele ter bom físico", explica o arquitecto José Aparício olhando para Jorge. E bate-lhe no ombro para que não restem dúvidas da dureza do músculo. Confirma-se. O braço é largo e as mãos calejadas, como se espera de quem faz a vida a vestir passeios. "Os mais antigos estão todos com problemas de coluna. Têm de estar de cócoras ou sentados para executar a calçada. Ao fim de uns anos começam a ficar muito desgastados", continua o arquitecto que coordena o curso desde 1986, o ano em que Jorge entrou como aluno.

Dois anos depois, "a 4 de Abril de 1988", lembra Jorge, o mestre, então ajudante de calceteiro, estava já na rua a partir pedra. Começou quando ser calceteiro era uma profissão de muitas categorias - ajudante de calceteiro, calceteiro de 1.a, de 2.a, mestre e batedor. "Eu ainda cheguei a fazer dois ou três concursos. Tínhamos de fazer o desenho, os mestres viam o cascalho... Hoje já não há concursos." As categorias encolheram. "Hoje só há o ajudante, o calceteiro e o batedor", enumera Jorge. É uma ascensão mais rápida numa profissão que poucos querem. Fazer calçada não atrai quem lê os anúncios dos centros de emprego, nem mesmo quando a câmara alicia os desempregados com a promessa de um contrato e um lugar fixo na função pública.
"O que mexe o homem é o dinheiro. Se pagassem melhor, evitava-se que os que aprenderam fujam para outras profissões", sugere o arquitecto. No final de cada mês, Jorge ganha 730 euros, sem descontos, como mestre calceteiro. "A calçada normal que nós fazemos custa 17,20 euros o metro quadrado. Já vi calçadas a dois euros, mas isso são outras empresas", explica Jorge, referindo-se àquelas que a câmara contrata para calcetar a maior parte dos passeios. "O aspecto estético não é o mesmo. Se passar um carro, cria ondas que levantam o pavimento - e lá estão os sapatos das senhoras a ficar presos na calçada", diz. "E sabe uma coisa? Às vezes nem digo que sou calceteiro". Por vergonha? "Não é por vergonha do trabalho... É pelos buracos que os outros deixam."

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photos Roc2c
Celso Gonçalves

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