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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A ARTE DA CALÇADA À PORTUGUESA

POR ERNESTO MATOS - DESIGNER GRÁFICO E AUTOR DE OBRAS SOBRE A CALÇADA PORTUGUESA

Por muito desatentos que sejamos, na nossa vida diária, a calçada portuguesa jamais nos deixará indiferente ao percorremos os trilhos do caminhar urbano nas principais cidades portuguesas.

A calçada portuguesa, inicialmente designada por calçada-mosaico, é fruto da persistência de várias gerações que têm vindo a apostar numa aplicação de pavimentos que fazem actual-mente parte dos longos caminhos da história de um povo.

Longe vai o tempo em que várias civilizações demonstravam as suas vivências através de um desenho minuciosamente elaborado com pequenas peças coloridas, a que chamamos de mosaicos, de que é exemplo o muito conhecido mosaico bizantino da época romana. Muitas dessas obras chegam até nós bem conservados, como é o caso dos imponentes tapetes em tessela de Conímbriga.


Mais tarde, já muito depois da presença romana na Península Ibérica, os religiosos Carmelitas Descalços, recolhidos na floresta do Buçaco, em finais do séc. XVI, continuam a elaborar, quer no chão ou nas paredes das suas edificações, desenhos que evidenciam uma forma singular de cultura religiosa que vê na singeleza e na pureza das simples pedras recolhidas no chão, um meio para comunicar a sua fé. 


Embora a pedra fosse uma presença constante na elaboração de pavimentos nas cidades medievais, o facto é que muitas cidades tinham as suas principais ruelas de terra batida. No decorrer dos descobrimentos portugueses, que vão desenvolver, principalmente, as cidades portuárias, o monarca D. João II, em finais do séc. XV, empenha-se pessoalmente para que a cidade de Lisboa possua uma grande artéria, digna de receber as valiosas mercadorias vindas do Oriente. 

Assim, a melhor pedra foi seleccionada para pavimentar a majestosa Rua Nova dos Mercadores, tendo sido contudo necessário trazer pedra do Norte dado que a da região de Lisboa danificava-se com demasiada facilidade. Tal como as catedrais, o chão é aqui aprimorado e procura-se, entre outros atributos, a higiene urbana e o desenvolvimento comercial em plena expansão na urbe lisboeta. 

O fatídico terramoto de 1755 veio acarretar grandes mudanças na cidade ainda com características medievais. A renovação arquitectónica que se seguiu iria desenvolver-se através de uma perspectiva urbanística mais humaniza-da. Os passeios passam a ser definidos dentro dos arruamentos existentes, olajedo de lioz circunda agora os grandes edifícios, dando assim a oportunidade aos transeuntes de se separarem de um trânsito, quer animal ou rodoviário. Em edifícios mais pequenos, uma pedra miúda, bastante mais económica, atapeta as frontarias. Por vezes, elabora-se o desenho de uma estrela, como crença e protecção, dado o anterior flagelo estar ainda bem presente nas memórias dos alfacinhas. 

O séc. XIX trás consigo as grandes correntes humanitárias – iniciam-se as viagens como deslocação regular, desponta o gosto pela arqueologia e pela história num revivalismo sem precedentes e a Arte Nova alastra pela Europa. É então que Lisboa se apressa a edificar uma praça condigna de receber visitantes de todas as partes do mundo. Eusébio Cândido Furtado, responsável pela prisão existente no espaço do Castelo de São Jorge, apresenta uma fantástica solução à cidade, o calcetamento artístico em larga escala. Após algumas experiências com excelentes resultados no próprio átrio da cadeia, este militar cede os seus prisioneiros para o serviço de uma causa pública e mesmo amarrados nas pernas com os pesados grilhões de ferro, estes homens (alcunhados popularmente de grilhetas), descem diariamente a encosta do castelo até ao Rossio. Em pouco mais de um ano edificam o calcetamento de uma das melhores praças europeias, com um conjunto de ondas a preto e branco em toda a sua extensão, ladeadas de desenhos de florões e no seu extremo sul a data da sua finalização, 31-12-1849. Esta praça e os seus desenhos irão influenciar todo o futuro dos pavimentos artísticos: a recém-nascida calçada-mosaico.


Tal como o mundo não pára, estes atapetados, extremamente viáveis e económicos não voltarão a parar, quer no avançar das ruas da cidade de Lisboa como no calcetamento dos principais locais emblemáticos das restantes cidades portuguesas. Os calcários das zonas litorais passam a ser extraídos com regularidade, tal como o basalto negro, irregular e duro em que no próprio local de construção é penosamente partido com camartelos. Posteriormente é usado o calcário negro de região de Mem Martins que substitui o duro basalto. Nas localidades do interior é também usado o mármore, quartzo e o xisto. Nas ilhas, o seixo rolado em abundância floresce num tratuário urbano para os peões. 

O desenho sai à rua para ser usufruí-do por toda a população. Artistas década época são convidados a dar o seu contributo estético e as obras de arte, contrariamente à dos museus, são aqui manifestamente expostas para ser pisadas, e quanto mais o são, mais brilho têm. 

As cidades apropriam-se definitiva-mente desta técnica, dado os benefícios serem muitos – pedra económica e abundante, além de reciclável, uma mão-de-obra carente de trabalho, maior limpeza urbana e acima de tudo um enorme poder comunicacional através do simples e sugestionável contraste cromático. Agora, a designada calçada à portuguesa é uma referência e é utilizada como imagem nacional, sendo inclusivamente levada a Paris para a Exposição Universal de 1900 e para a de Sevilha, em 1929, como passeios do pavilhão português nestes importantes certames. 

As crises económicas do séc. XX levam à partida de muitos cidadãos para distantes partes do mundo, nomeadamente para as antigas colónias africanas e para o Brasil, e aí florescem grandes empreendimentos urbanos e a calçada será levada pela diáspora e ficará na sua alma para sempre. 

No Rio de Janeiro, em 1909, uma das mais belas baías do mundo é apresentada ao público e em toda a sua ex-tensão é elaborado um dos pavimentos mais marcantes do turismo mundial, o famoso Calçadão de Copacabana, que longitudinalmente é banhado pelas mesmas ondas desenhadas pela pedra vindas do outro lado do Atlântico, o Mar Largo do Rossio. 

São estes os mesmos traços que Walt Disney, em 1942, imortalizou através do seu pincel no célebre desenho animado Alô Amigos. O que seria então de Copacabana ou mesmo de Ipanema sem a pedra portuguesa? Ou o Largo do Senado de Macau sem as mesmas ondas e pedras de uma cultura que atravessa continentes? O mundo está atento e algumas cidades do mundo enfeitam-se, como Alicante e as suas refrescantes ondas da Esplanada de España, as extensas folhas de cerejeira à entrada de Madrid, um colibri em São Francisco, o sol radiante na Lantau Island de Hong Kong ou a rosa-dos-ventos em Honolulu. 

Enfim, o mundo é pequeno em relação ao universo, tal como estas pedras da calçada o são, mas estas singelas se-mentes minerais plenas de arte e humanidade, coloridas de preto e branco, encontram-se cheias de força, de vontade para ilustrarem o planeta à imagem da alma portuguesa.

Excerto da Revista AICEP - 18 // Outubro 12 // Portugalglobal

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